Desafios Maternidade Atípica
O mês de maio é o mês dedicado a todas as mães, mas a maternidade pode trazer diversos desafios, como exaustão, sobrecarga, falta de rede de apoio, entre outros. E quando pensamos na maternidade atípica — naquela vivenciada por mães de crianças que não se enquadram nos papéis esperados pela sociedade — os desafios podem ser ainda maiores.
De acordo com dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (PNAD) 2022, a população com 2 anos ou mais que possui algum tipo de deficiência é de cerca de 18,6 milhões de pessoas. São muitas as famílias que vivenciam, diariamente, desafios que impactam diretamente na qualidade de vida das mães atípicas.
Durante a gravidez, as mães geralmente vivenciam expectativas e idealizações em relação à criança que irá nascer. Quando há a notícia de que a criança terá alguma deficiência, toda essa expectativa é desconstruída. Ocorre o luto pela criança idealizada.
Nesse momento, a mãe atípica, junto com a família, pode experimentar sentimentos confusos, como amor, mas também tristeza, vergonha, culpa, medo, frustração, raiva ou até mesmo um sentimento de injustiça.
Os pais podem ser tomados por um sentimento de fracasso diante de uma sociedade que valoriza o alto rendimento e a funcionalidade. Além disso, sentimentos como: “Por que comigo? Por que com minha família? Por que com meu filho?” são comuns.
Frequentemente, no nascimento, nem mesmo a equipe médica tem a sensibilidade necessária para lidar com a situação e não consegue acolher os sentimentos da mãe, muitas vezes falhando até em explicar o diagnóstico com a clareza necessária. Há ainda dúvidas sobre o prognóstico e as potencialidades de cada criança.
O próprio nascimento de uma criança com deficiência pode ser complexo e desconfortável. Pode haver necessidade de cuidados intensivos por várias semanas, com internações e rotinas hospitalares. As diversas intervenções médicas podem dificultar a alimentação e o sono, comprometendo a proximidade entre a mãe e o bebê. A amamentação e os cuidados diários podem não ocorrer da maneira planejada.
Após vivenciar o luto das expectativas e idealizações, os pais passam a enxergar a criança com deficiência como uma pessoa com capacidades. E a cada conquista da criança, uma vitória para os pais. Mas, para que isso aconteça, a criança precisa ser estimulada o mais precocemente possível.
Os desafios continuam na busca por tratamentos médicos frequentes, como consultas e exames, além de terapias com diversos profissionais: fonoaudiólogos, fisioterapeutas, terapeutas ocupacionais e psicólogos. É necessário conciliar esses compromissos com todas as outras demandas do dia a dia.
Encontrar uma escola também é uma saga, que pode envolver diversas recusas de matrícula, falta de estrutura adaptada e ausência de monitores. Além disso, as mães em situação de maternidade atípica frequentemente enfrentam o desafio de encontrar uma rede de apoio.
Somado a isso, essas mães muitas vezes enfrentam o estigma e a falta de compreensão da sociedade. Elas podem se deparar com olhares de estranhamento, julgamentos, comentários insensíveis ou até mesmo discriminação, o que pode ser emocionalmente desgastante e afetar sua saúde mental.
Comentários como “autismo virou moda” podem ser especialmente dolorosos para uma mãe de criança com transtorno do espectro autista, que vivencia diariamente uma condição real, com impacto significativo na qualidade de vida.
Diante disso, algumas mães evitam sair com os filhos para locais públicos, como forma de proteger tanto a criança quanto a si mesmas. Comportamentos de uma criança com deficiência ainda podem ser interpretados, por algumas pessoas, como falta de limites ou de educação.
Medos como o de não poder adoecer — pois acreditam que ninguém cuidará do filho como elas — ou mesmo o medo de morrer e não haver quem assuma os cuidados, são angústias comuns no universo das mães atípicas.
Além de tudo isso, há ainda a questão racial. De acordo com a PNAD 2022, mais de 54% das pessoas com deficiência se autodeclaram negras ou pardas. Uma criança negra que se comporta de maneira diferente ou que possui alguma deficiência enfrenta desafios maiores para se adaptar ou encontrar recursos de acessibilidade do que uma criança branca, além de estar mais exposta ao risco de violência. No início deste mês, um menino negro e autista, que assistia a um espetáculo infantil no Rio de Janeiro, foi agredido por um homem no Teatro da Gávea. Ele estava perto do palco, brincando e cantando com outras crianças, quando foi segurado com truculência por um homem que reclamava da quantidade de pessoas à sua frente.
Como enfrentar esses diversos desafios?
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Seja gentil com você mesma: Mamãe atípica, aceite suas imperfeições. Trate-se com carinho. Aceitar que não há perfeição é um passo essencial para o autocuidado e a saúde mental.
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Estabeleça rotinas: Crie uma estrutura que traga segurança. Rotinas diárias ajudam tanto a mãe quanto a criança a se sentirem mais seguras. Defina horários para refeições, brincadeiras e descanso.
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Cuide da saúde mental: Na maternidade atípica, cuidar da saúde emocional é tão importante quanto administrar as tarefas diárias. A vivência pode gerar ansiedade, depressão e até mesmo burnout.
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Cuide da saúde física: As mães não devem se esquecer de si mesmas. Realizar exames de rotina e manter práticas de autocuidado são atitudes fundamentais.
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Participe de grupos: Trocar experiências com outras mães pode aliviar o sentimento de solidão e ampliar a compreensão sobre a deficiência do filho.
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Construa uma rede de apoio: É nela que essas mães se fortalecem. A rede pode ser composta por familiares, amigos, vizinhos, colegas de trabalho, entre outros.
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Evite o isolamento: Interagir e buscar acolhimento é um gesto de força, não de fraqueza.
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Ofereça apoio e empatia: Em situações sociais, tente compreender o contexto e as dificuldades da mãe atípica, sem julgamentos. Não olhe para a criança enxergando apenas a deficiência. Veja-a com a ternura e alegria com que olharia uma criança típica.
Se, no início, ter uma criança com deficiência pode ser assustador e repleto de incertezas, com o tempo, a compreensão aumenta. Cada mãe encontra sua maneira de interagir e de conhecer as necessidades do filho. E, muitas vezes, descobre que, por trás da deficiência, há uma criança adorável e cheia de capacidades, que precisa ser vista além do diagnóstico.
Quanto à sociedade, a inclusão efetiva ainda tem um longo caminho a percorrer. Ela passa pelas escolas, pelos ambientes de trabalho, pelos espaços públicos e pelo olhar das pessoas sobre as diferenças. Todos nós, no dia a dia, podemos contribuir para a construção de um ambiente mais acolhedor e inclusivo. Seja respeitando a vaga da pessoa com deficiência, sendo parte da rede de apoio de alguém ou enxergando as pessoas além de suas deficiências.
Mamãe atípica, se todo esse processo, neste momento, estiver confuso e angustiante, você pode participar do grupo “Cuidar de Quem Cuida” do IFMG. Entre em contato pelo e-mail: diversidade.progep@ifmg.edu.br
Ficou interessado(a) no assunto?
Assista aos vídeos sobre maternidade atípica produzidos pela UFMG:
https://ufmg.br/comunicacao/noticias/maternidade-atipica-serie-da-tv-ufmg-aborda-os-desafios-na-rotina-de-cuidados-de-pessoas-com-deficiencia
Veja também a entrevista com Luciana Viegas, pedagoga e diretora-executiva do Instituto Vidas Negras com Deficiência Importam:
https://apublica.org/2025/05/maternidade-atipica-os-desafios-do-cuidado-e-da-aceitacao/
Referências
https://www.educamaisbrasil.com.br/educacao/noticias/o-que-e-maternidade-atipica
https://apublica.org/2025/05/maternidade-atipica-os-desafios-do-cuidado-e-da-aceitacao/
https://www.proalu.com.br/o-luto-pelo-filho-idealizado/
https://www.kpsicologia.com.br/2024/09/27/maes-atipicas/
